"Outro problema que surge com frequência na obra de Machado de Assis é o da relação entre o fato real e o fato imaginado...
Um dos seus romances, D. Casmurro, conta a história de Bento Santiago, que, depois da morte de seu maior e mais fiel amigo, Escobar, se convence de que ele fora amante de sua mulher, Capitu, o personagem feminino mais famoso do romancista. A mulher nega, mas Bento junta uma porção de indícios para elaborar a sua convicção, o mais importante dos quais é a própria semelhança de seu filho com o amigo morto.
Como o livro é narrado pelo marido, na primeira pessoa, é preciso convir que só conhecemos a sua visão das coisas, e que para a furiosa 'cristalização' negativa de um ciumento, é possível até encontrar semelhanças inexistentes, ou que são produtos do acaso (como a de Capitu com a mãe de Sancha, mulher de Escobar). Mas o fato é que, dentro do universo machadiano, não importa muito que a convicção de Bento seja falsa ou verdadeira, porque a consequência é exatamente a mesma nos dois casos: imaginária ou real, ela destrói a sua casa e a sua vida. E concluímos que neste romance, como noutras situações da sua obra, o real pode ser o que parece real."
(Antonio Candido)
Fonte: José de Nicola
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